quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eu e o diário


Quando eu tinha 12 anos comecei a escrever um diário poderosíssimo, com direito a fotos, nomes, datas, tudo. A minha vida do início ao fim estava ali e logicamente ninguém jamais poderia saber que aquelas páginas sequer existiam. Mas diário lembra mistério, que lembra curiosidade, que lembra amigos sem noção tentando pegá-lo. Pois bem, foi  exatamente o que me aconteceu.

Super fofa e sorridente, entrei no meu quarto com um big saco de pipoca e filme para assistir com meus amigos do colégio, mas lá estava ele! O diário nas mãos do amigo sem noção! Quando me deparei com a cena fatídica, me taquei com tudo me agarrando direto em seu pescoço num ato de puro desespero, admito. Eu era apaixonada pelo meu vizinho que morava no prédio da frente e meu diário era uma narração minimamente detalhada sobre os dias em que eu ficava na janela acompanhando todos os passos do César, o amor dos meus sonhos, que inclusive até esse dia nem sabia que eu existia. Até esse dia...

Numa luta digna de vale-tudo, consegui arrancá-lo bravamente das mãos do amigo sem noção e quando ele veio tentar pegá-lo de volta, lá estava eu estirada na janela do meu quarto, me esgoelando por socorro até que percebi que não adiantava mais tanto esforço. Eu não tinha a menor chance. O sem noção ia sim conseguir arrancar todos os meus segredos guardados durante tantos anos naqueles papéis e eu estaria em suas mãos para todo o sempre. Foi então que tive a "brilhante" ideia de simplesmente tacar o diário pela janela. Calma que eu explico!

Meu apartamento ficava de frente para o play do César, mas também pegava parte da área de outro prédio vizinho ao nosso, portanto um segundo território 100% neutro. Obviamente joguei o diário nessa direção, porque assim ninguém nunca saberia de nada e logo que eu conseguisse me livrar do sem noção iria até lá pedir ao porteiro encarecidamente para procurar meu diário que tinha caído no meio do matagal, ou seja, eu estava salva! Doce ilusão...

Para provar quanta sorte tenho na vida, no exato momento em que o diário voava em direção ao prédio neutro, o César estava em seu play jogando futebol. Da janela do meu quarto, eu acompanhei como se em câmera lenta o diário cair no matagal neutro e simultaneamente a bola de futebol do César ser isolada também para o mesmo prédio. Eu não acreditei no que estava vendo...

Mesmo assim, eu pensei: o César vai lá ao tal prédio neutro apenas para pegar a bola e claro, nunca vai ver meu diário perdido no meio do matagal e mesmo se visse, imagina se iria se interessar em pegá-lo. Pois é... De camarote, eu  e o sem noção acompanhamos o César chegando, pegando a maldita bola, percebendo que tinha algo branco no meio das plantas e parando para ver o que era. Sabe o que era??? O maior mico da minha vida!

Ele pegou o diário e começou a ler. Olhou para cima na mesma hora (deve ter lido a parte em que eu dizia que morava no apartamento em frente ao dele). Me viu desesperada na janela e voltou correndo para seu play com o diário em mãos. Chegando lá se reuniu com todos os amigos do futebol e incentivado pelo sem noção que berrava da minha janela para que ele lesse logo tudo em voz alta, se iniciou então uma das piores tragédias da minha vida. O grande amor dos meus sonhos, o intocável e inatingível César, minha primeira paixão platônica da adolescência estava lendo aos berros para que o sem noção conseguisse ouvir (detalhe que nós estávamos no 10º andar), ou seja, o bairro todo ouviu os mais profundos e incomunicáveis segredos dos meus 12 anos de vida.

Mas eu sobrevivi. Aqui estou eu aos 27 anos, iniciando um blog, que definitivamente não é e nem nunca será um diário.