sexta-feira, 2 de março de 2012

Rio: a mulher de bandido

Já vou explicar esse título, digamos um pouco ofensivo dependendo do seu ponto de vista. Mas antes disso vale lembrar o que um dia foi a verdadeira cidade maravilhosa e o que a fez ser o que é hoje. 
Mesmo com tantas recentes obras em infraestrutura, tantas tentativas da prefeitura de organizar o caos carioca, tanta demasiada autoestima por ser o ofuscante chamariz do futuro palco da Copa do Mundo e Olimpiadas, tanto, tanto e mais tantos, nao adianta: o verdadeiro Rio de Janeiro, a alma ingênua, fluida, maleável e genuinamente carioca nasceu talvez muito antes de mim com o samba, a Bossa Nova, a jovem guarda e por aí vai. Mas indo direto ao encontro da minha geração e dos meus pais, vale lembrar: tem coisa mais digna do carioquês nato que o inesquecível Cine Drive-In. Sim, aquele cinema ao ar livre em plena Lagoa Rodrigo de Freitas, em que bastava embicar o carro de qualquer jeito mesmo, apoiar as caixinhas de som nas janelas e viajar por duas horinhas no filme sob à luz da lua. Você se lembra disso? Se não, já deu ao menos para imaginar o charme caótico, mas que no fim dava sempre certo e embalava as noites do entretenimento carioca.
E o que falar do vizinho Tivoli Parque? As montanhas-russas totalmente mal ajambradas, com fortes indicios de alto risco de acidente, o que só colaborava com a adrenalina de se jogar naqueles trilhos. O algodão doce, a pipoca (doce ou salgada, hoje em dia nao se vê mais pipoca doce!), o churros. Sem falar naquelas bolas enormes e coloridas que sempre serviam de prêmio para os vencedores de alguns jogos do parque. Mas porque afinal alguém queria disputar tanto para ganhar aquele trambolho que mal cabia debaixo do braço? Nao sei, mas eu sonhava dia e noite com a maldita bola gigante inteira só pra mim e lógico, sobrava para meu pai aturar.
O Bob's era o máximo! A humilde rede de lanchonete carioca que disputava pau a pau a concorrência com o grande, internacional e rei do fast food mundial Mc Donalds. Mas bem antes disso, uma lanchonete mais despretenciosa ainda, porém muito promissora porque era pura gostosura, surgiu no Rio, mas logo desaparaceu. Era o Gordon! Quem se lembra disso? Ficava em Copacabana, tinha tudo pra dar certo e virar mais uma mega concorrente carioca frente ao gigante M amarelo.
Para os adultos, o Mistura Fina era o coração da cidade. Ali pulsava jazz da melhor qualidade, blues, MPB, uma experiência para poucos. Caro e muito badalado, não era para qualquer um conseguir uma pequena mesa por ali.
O Rio Design só existia no Leblon e se reduzia a imensas e carésimas lojas de móveis, sempre às moscas. Um pé no saco! O Shopping da Gávea ainda mantinha aqueles foguetes e carrinhos de brinquedo espalhados pelos andares. Bastava colocar uma moeda e pronto, a brincadeira rolava solta. O Fashion Mall ainda atraía crianças muito por conta do misterioso e inexplicável palco central. A boa era subir e brincar de Xuxa ou algo mais patético. Depois virou reduto de patricinhas e mauricinhos que marcavam território ao seu redor sabe-se lá porque, mas sem dúvida era um bom ângulo para todos poderem se ver e paquerar.
E o que dizer dos restaurantes (muitos ainda sobreviventes) que reuniram tantas familias e amigos na época. Majórica, Chaika, Gepeto, Alvaros, Marius, Bar Lagoa e ate os incríveis remanescentes Pizzaria Pronto e La Mole (juro que um dia já foram bons). Café da manha? Rio Lisboa, claro. Supermercado? Paes Mendonça (desenterrei). Boate? Hippopotamus, Resumo da Ópera ou para os mais novos como eu, as falecidas Vogue e Mikonos.
Nas praias, o biscoito Globo já andava por lá. Mas também ja começava a chamar atenção o suculé do Claudinho. E quem se lembra do suco mamy? Vinha numa espécie de plástico com canudinho, uma delícia totalmente esquecida.
Tantas lembranças marcantes e mesmo sendo da forma mais simples e precária possível, acabava tudo funcionando. E assim foi surgindo a alma encantadora da cidade. Realmente a beleza sempre foi algo inegavelmente incrível e assim permanecerá por toda a vida. Mas o ar leve, desencanado, descontraído, boêmio e malandro, um tanto abandonado, mas feliz, empobrecido nos bolsos e nas marcas de sol da havaianas nos pés (hoje até virou moda), não importa, aí está o nosso maior encanto: o verdadeiro espírito carioca.
Nesse mesmo Rio, dia após dia convivemos com assaltos, medo, ruas inteiras totalmente à mercê e buracos incontáveis destroem nossos carros. Agora, ainda por cima levamos bueirada na cara, mas não adianta, por menos poético que seja, carioca é como mulher de bandido, apanha, mas ama de qualquer jeito e não abandona jamais. Por isso endeuso e venero esse cantinho todo especial do Brasil: parabéns meu, seu, nosso amado Rio de Janeiro! Aquele abraço!