Uma lambida suculenta na bochecha manchada de lágrimas de rímel. Que susto! Pisquei bem os olhos, pisquei mais forte numa tentativa fúnebre de enxergar uma visão embaçada da baba do meu cachorro pronta para escorrer em meu rosto. A baba pingou e mais umas dez lambidas frenéticas borraram um pouco mais a maquiagem da noite anterior. Foi difícil, mas acordei.
Olhei bem ao meu redor e logo veio um suspirante alívio de estar sã e salva no meu quarto quentinho. O celular já esperneava mensagens aflitas do whatsapp. Isso me deu a certeza de que sim, eu estava viva! Sobrevivi à noite louca e mergulhada em álcool desta quarta-feira, véspera de feriado.
O álcool é realmente impressionante. Uns dizem que é o insumo do mal, coisa do demônio. Mas que é gostoso, aaahhh isso é. Olhem o poder travesso de uma pinga: inocentemente saí do meu lindo e doce lar na quarta à noite com a ingênua ideia de tomar cinco choppinhos at most com a Maricota, uma amiga querida e saudosa. Cinco tranformaram-se em... peraí, deixa eu fazer as contas... Quinze, não não, foi mais. Ok, vinte. Huuummm, sobe mais essa contagem aí, Fernandinha. Trinta? Ah garota, deixa de ser micha, pensar pequeno! Você tomou uma verdadeira lavada de cerveja! Um barril inteiro no mínimo consumiu seu fígado! Cai na real!
É o poder da multiplicação. Pinga fuderosa essa! Daí por diante minha gente, são só flashes. Algo como um sonho me diz que da Gávea fui teletransportada para um inferninho em Botafogo. Barraco na porta pra entrar? Sim, disso eu me lembro! Nirvana, Red Hot, Pearl Jam, o álcool me embalou no melhor do rock'n roll.
Amnésia, amnésia, amnésia. Algumas horas de memória nula. Agora, a pergunta que não quer calar. Como cheguei em casa? E eu por acaso tinha ideia de onde era minha casa? Yeeeesss, um pingo de dignidade deve ter restado em mim. Fui de táxi, cê sabe, tava morrenduuu de... Vontade de vomitar, Angélica!
Ué, mas eu não tinha 100 reais na carteira? Que taxímetro caro esse heim! Olha só esses folhetos de Jesus Cristo na minha bolsa. Igreja Batista, encontre Jesus, o senhor é meu pastor e nada me faltará... Lembrei! As provas materiais intactas da loucura insana de uma bêbada transloucada.
A maluca aqui fez do taxista um psicólogo, um divã no carro amarelo. Mas o taxista tava mais pra pastor evangélico do que pra médico psiquiatra. Óbvio que nunca vou me lembrar ao certo, mas foram algumas horas de choro, redenção e catequização explícita dentro do confessionário ambulante. O templo de Deus estava motorizado e a pecadora deve ter ajudado bastante com a cestinha da igreja porque a nota de 100 reais nunca mais deu o ar da graça na minha carteira.
No reino mágico de uma mente alcoolizada não existe apego ao dinheiro. Mas como o "pastor" me disse que Deus vai me devolver em dobro, só rezo para que o poder de multiplicação do Pai de Todos seja o mesmo do chopp da minha quarta-feira. Amém!