quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Adeus


Um veludo negro certa vez me encantou. Foi mesmo amor à primeira vista, não apenas para mim mas de fato arrebatava olhares por onde passava. A negritude de seus pêlos era tão impactante que refutava qualquer sentido lógico ao se revelar o escuro mais reluzente da natureza. Preto que brilhava, noite ensolarada, escuridão iluminada. Um tanto de antônimos que juntos descrevem com clareza a desconcertante beleza da linda cadelinha.

A pequena canina era a prova concreta de que nos menores frascos estão realmente os melhores perfumes. A delicadeza feminina de cada músculo sinuosamente desenhado deslumbrava juízes, treinadores e leigos como eu. Uma baixinha charmosa que esbanjava sorrisos e rebolados ao desfilar. Tinha tanta vida que esta vida acabou curta, muito curta. Talvez ela fosse especial demais para essa mera dimensão terrena. 

A cada dia estou mais certa de que os anjos ficam pouco tempo como matéria entre nós. Talvez tenham muitas tarefas no céu já esperando por eles e assim, temos que deixá-los partir. Certamente chegou a hora de ela voar mais alto. As nuvens serão sua nova passarela e as nossas noites nunca mais serão escuras. 

Amém. 

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Meu primeiro encontro


O Facebook quer saber no que estou pensando. Good question, sir Mark Zuckerberg, mas no momento quero me aprimorar em algo que intitulo um primor artístico: parar de pensar. Já pensou nisso? Parece dúbia a pergunta, eu sei, mas aí é que está o grande segredo para a tão sonhada paz de espírito.

Não sou guru espiritual, nem aprendiz de Dalai Luma, mas recentemente pude vivenciar, sentir e até me inebriar de uma avalanche de paz e serenidade. Na língua dos seres evoluídos isso chama-se iluminação. Está certo que não durou muito mais do que três minutos e também não me transformei em monge budista, mas finalmente foi dessa forma que tive o prazer de pela primeira vez em quase 30 anos encontrar comigo mesma.

Durante um período não muito distante da minha história, eu vivia com medo de encontros. A timidez me calava de tal forma que caminhava pelas ruas sob um véu fictício para que meus olhos nunca cruzassem com de nenhum conhecido. O tempo foi passando e com um pouco de amadurecimento e vergonha na cara aprendi ao menos a lidar com os benditos encontros. 

É claro que encontrar consigo mesmo já é um passo muito mais além e poucas pessoas passam por essa vida com a dádiva de poder se conhecer verdadeiramente. O esvaziamento dos pensamentos é o portal para esse grande encontro. Por mais rápido que seja, é uma experiência tão intensa e transformadora que o tempo deixa de importar. Tudo se desfaz: as preocupações, os compromissos, as angústias, os ressentimentos, a euforia,  a vaidade, o sofrimento. As emoções que não passam de subterfúgios criados pela mente se apagam como num passe de mágica e morrem junto com o pensamento. De repente é possível se dar conta de que ali só restou você com você. Livre do barulho da mente e da dor das emoções. É a sua paz.

Muito legal se vestir de branco no reveillon e passar a vida toda rezando por paz, mas nada adianta esperar pela serenidade por meio de rituais externos porque na verdade ela está dentro de você, em um cantinho imenso e todo poderoso, onde não entra a voz dos pensamentos, muito menos as interferências do mundo externo. É só você. Taí... Esse foi o meu melhor encontro.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Pede pra sair


Na minha época ginástica era ginástica. Halteres, tornozeleiras e ah sim, os aparelhos de musculação, aqueles bem rudimentares mas já estavam por lá. Cena comum era professor de academia com seu short azul royal e camisa regata evidenciando o peitoral diante do super aparelho de som da Aiwa à procura da melhor cronologia de CDs que iriam dar o gás na mulherada da aula de localizada (sou do tempo até das fitas cassetes, ok? Mas abafa...). Ele gritava "agacha um e dois e três, sobe um e dois e três..." e haja cordas vocais. O microfone que vemos por aí acoplado na orelha era coisa de Hollywood. Só Madonna e Michael Jackson tinham bala na agulha pra tirar essa onda. 

Tênis era sinônimo de Reebok, quiçá Nike. Fone de ouvido era aquele tipo arco feito de alumínio fajuto, não esses megatroni ultradimensionados que se usam agora por aí. Aliás esse brinquedinho ficou tão popular que entrou até para o estilão dos jogadores de futebol, reparou? Neymar que o diga. O magnânimo instrumento de trabalho era restrito a produtores musicais. Impensável se deparar com criaturas na rua correndo de boné combinado a megafone colorido por cima. 

Crossfit, ginástica natural, treino funcional... É muito futuro pra minha cabecinha oitentista. Até a simples compra de um tênis agora é diferente, quer dizer, diferenciada (como se diz no linguajar atual). Se você acha que basta saber quanto calça e escolher uma cor, acorde pra vida, ruína ambulante! Em tempos de obsessão por eventos de corrida é extremamente imprescindível, urgente, quase uma lei federal fazer o incrível teste da pisada e aí sim você, um super atleta que mal aguenta dar uma volta na Lagoa, pode comprar um novo par da Asics, que tal?

- Oi, tudo bem? Qual é seu nome? 
- Fernandinha.
- Sua idade?
- Precisa responder?
- É, vamos pular para perguntas mais importantes. Seu percentual de gordura e de massa magra?
- Também precisa responder?
- Pisada pronada, neutra ou supinada?
- Oi???
- É alérgica a glúten, lactose e açúcar?
- Heim???
- Toma Whey Protein, Detox Tea? Gogi berry? Snacks de 3 em 3 horas?
- Desculpe, acho que estamos em planetas diferentes.

O império dos personais e das nutricionistas apoiado em sua poderosa base governista formada pelas fitnessgirls do instagram segue firme na saga por lançar projetos e mais projetos em busca da bunda de aço e da barriga negativa. O Lula em seus áureos tempos de zilhões de medidas provisórias perdia pra essa turma. E eu que nos anos 80 considerava o futuro dos Jetsons muito plausível e admirável com seus carros voadores e babás robôs, agora tento me conformar em viver em um planeta estranho com gente esquisita a base de suco verde e barra de cereal. Não deixam portanto de ser robôs. É, em algum ponto os Jetsons tinham razão. Agora a pergunta que não me cala: e aí capitão, posso pedir pra sair?

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O rei do churrasco


Quando a turma se reunia para beber e petiscar linguiça com pão de alho, o cara era unanimidade. Tirava o corte perfeito da picanha, salgava no ponto e conquistava todos os mais variados gostos, desde os mais vampirescos aficionados por carnes suculentas até os mais ogros viciados em fatias tão tostadas quanto carvão. Definitivamente, ele era o rei do churrasco. 

Na cobertura esplendorosa do amigo rico ou na varanda milimétrica daquele prédio com 213 apartamentos por andar (defumando a vizinhança inteira), não importava. O cara pilotava como ninguém uma churrasqueira e ele sabia disso. Quando aportava em um churrasco era o primeiro a se apossar dos espetos e facões quase que bulinando-os como se fossem irresistíveis objetos de desejo. Aos poucos ia se entranhando entre os que chegaram antes na churrasqueira até conseguir dominá-la por completo. Ninguém nunca reclamou até porque... huuuummmm que carne divina...

Mas algo muito grave aconteceu. O rei do churrasco virou vegano. Deixou a barba por fazer, abandonou na garagem seu maior xodó 4x4 e investiu em uma bicicleta elétrica. Uma nova criatura, totalmente repaginada, saudável, sustentável e mais do que isso, cool. Não é mais uma questão de status, mas sim de estilo. 

Parou de chamar os garçons de "braço" e evita antigos trejeitos da malandrice carioca como as fatídicas expressões "vale um confere" e "chega mais". Comprou um óculos escuros de madeira sustentável e apostou firme nas meias coloridas combinadas com o modelo Vans que esteja em voga no momento. As bermudas jeans, seu ex-maior repúdio em matéria de moda, estrearam no seu armário. Na fase "rei do churrasco" até que já curtia um boné de vez em quando para disfarçar o cabelo despenteado, mas agora não era mais uma questão capilar e sim de estilo, então tratou de desdobrar as abas dos bonés até que ficassem as mais retas possíveis. Que style...

Também pagou uma pequena fortuna em um cachorro gringo e raríssimo. Adora quando o param na rua para perguntar qual a raça do cãozinho. É o momento-chave para pronunciar um nome incompreensível de cinco palavras em idiomas diferentes, tipo sobrenome de príncipe da família real. Ninguém entende nada, mas é aí que ele vai ao delírio. Estufa o peito e arrota que é uma mistura franco-holandesa-finlandesa, uma criação exclusiva dos antigos reis da dinastia romana.

No lugar do churrasco, uma nova paixão entrou para sua vida: arte urbana. Adora postar no instagram imagens de intervenções e não deixa passar um grafite sequer dos gêmeos, seus novos "ídalos". Ele ainda não aprendeu a falar í-dO-lo. Isso nunca vai mudar, sorry.

Apesar de vegano, sustentável e exemplar healthy lifestyle, o marmanjo ainda curte umas festolas por aí. Não é difícil achá-lo em sites de fotos das noitadas cariocas naquela linha "para ver e ser visto". É a sua maior vitrine, o tal do marketing pessoal. Ficou até amigo dos caras do site para garantir que sempre seja fotografado. Boa garoto!

No momento, ele ainda está refletindo sobre os dez mandamentos do cool guy, mas um já está oficializado, carimbado e até com firma reconhecida: quando você for abordado na balada para uma foto naquele site bacana faça o quê??? Uma careta! É sério, agrega valor! O ideal é colocar a língua pra fora, entortar um pouco a boca, arregalar bem os olhos e segurar uma garrafa de Absolut. A mensagem é fatal: estou muito doido, feliz pra caralho e posso fazer caretas à vontade para mostrar o quanto sou irreverente, sacou? 

O cool guy não mata mais boi e nem frango, mas mata os outros de vergonha alheia. Esse aí a Veja ainda não viu.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Um beijinho não dói


A boate W em Ipanema bombava. Era noite de sábado e os colégios da zona sul marcavam presença em peso. A galera devidamente prevenida com suas identidades falsificadas e o segurança bonzinho fazia vista grossa para a a molecada se divertir. Se resolvesse barrar, não ia sobrar um, então libera geral!

Escova no cabelo, blusa justa com generoso decote, calça jeans e salto bem alto para disfarçar a altura desfavorecida. Lá estavam as amigas do Santo Agostinho prontas para a guerra. Depois de virar noites e dias embrulhadas nos livros de química e física, enfim chegou o momento de libertação.

No meio daquela boate com cara de recreio de colégio, uma das meninas destoava das outras. Tímida, fazia de tudo para que nenhum garoto a percebesse. Tinha medo de descobrirem que nunca havia dado um beijinho sequer em seus 17 anos de vida. Imagina que mico, gente?! Internamente já tinha se decidido partir para o convento assim que finalizasse o terceiro ano, mas um empecilho estava determinado a impedir tal infortúnio. O incansável obstáculo tinha nome: Fernandinha. Isso, eu mesma! No papel de melhor amiga jamais permitiria tamanho absurdo.

O dj acabava de tocar a vigésima música da INOJ e as meninas já estavam ansiosas pelo funk do Bonde do Tigrão com sua incrível música "Um tapinha não dói". Foi a deixa que eu precisava para pegar a amiga pelo braço e dar uma lição de moral: "dessa vez você não escapa! Vai pegar alguém hoje sim e pronto!". Seus olhos arregalaram e imploraram pela minha piedade, mas não cedi.

Um loirinho baixinho com uma espécie de frozen nas mãos vinha passando e eu pensei: é esse! Acorrentada por mim, ela não tinha como fugir. Chamei o bonitinho e joguei os dois um na frente do outro. Se vira nos 30! Saí de perto para assistir de camarote.

O rosto dela variava entre roxo e rosa pink. As mãos não paravam de mexer e seus olhos só conseguiam mirar na minha direção como se pudessem me assassinar a distância. Mas enfim, o moleque não me decepcionou. Ofereceu um gole do seu incrível frozen de limão e pááááá! Tascou-lhe um beijo daqueles, bem na hora que a pista ia abaixo com a meninada rebolando até o chão. Era muita alegria para meu coração: o primeiro beijo depois de 17 anos... Uuuoooooouuuuuuu!

O rapazinho chegou a ser educado e antes de dar o balão de praxe pediu o telefone da gatinha. Ela não titubeou. Vai, anota aí! Eu, orgulhosa e sorridente ao seu lado, quase não segurei a vontade louca de pular de alegria, mas ok, vamos manter a pose. Ele anotou o número em seu celular e ainda tirou onda porque simplesmente era um Samsung com flip, do you belive??! Que máximoooo!!!!

Após duas semanas de angústia a espera do telefonema, a amiga caiu em si: ele não ia ligar. Ficou triste por mais alguns dias, mas logo superou, afinal seu maior martírio já tinha enfim se resolvido. Em um ano de vestibular e 417 fórmulas de química para decorar, a principal lição que ela aprendeu foi que um beijinho realmente não dói.