quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Um beijinho não dói


A boate W em Ipanema bombava. Era noite de sábado e os colégios da zona sul marcavam presença em peso. A galera devidamente prevenida com suas identidades falsificadas e o segurança bonzinho fazia vista grossa para a a molecada se divertir. Se resolvesse barrar, não ia sobrar um, então libera geral!

Escova no cabelo, blusa justa com generoso decote, calça jeans e salto bem alto para disfarçar a altura desfavorecida. Lá estavam as amigas do Santo Agostinho prontas para a guerra. Depois de virar noites e dias embrulhadas nos livros de química e física, enfim chegou o momento de libertação.

No meio daquela boate com cara de recreio de colégio, uma das meninas destoava das outras. Tímida, fazia de tudo para que nenhum garoto a percebesse. Tinha medo de descobrirem que nunca havia dado um beijinho sequer em seus 17 anos de vida. Imagina que mico, gente?! Internamente já tinha se decidido partir para o convento assim que finalizasse o terceiro ano, mas um empecilho estava determinado a impedir tal infortúnio. O incansável obstáculo tinha nome: Fernandinha. Isso, eu mesma! No papel de melhor amiga jamais permitiria tamanho absurdo.

O dj acabava de tocar a vigésima música da INOJ e as meninas já estavam ansiosas pelo funk do Bonde do Tigrão com sua incrível música "Um tapinha não dói". Foi a deixa que eu precisava para pegar a amiga pelo braço e dar uma lição de moral: "dessa vez você não escapa! Vai pegar alguém hoje sim e pronto!". Seus olhos arregalaram e imploraram pela minha piedade, mas não cedi.

Um loirinho baixinho com uma espécie de frozen nas mãos vinha passando e eu pensei: é esse! Acorrentada por mim, ela não tinha como fugir. Chamei o bonitinho e joguei os dois um na frente do outro. Se vira nos 30! Saí de perto para assistir de camarote.

O rosto dela variava entre roxo e rosa pink. As mãos não paravam de mexer e seus olhos só conseguiam mirar na minha direção como se pudessem me assassinar a distância. Mas enfim, o moleque não me decepcionou. Ofereceu um gole do seu incrível frozen de limão e pááááá! Tascou-lhe um beijo daqueles, bem na hora que a pista ia abaixo com a meninada rebolando até o chão. Era muita alegria para meu coração: o primeiro beijo depois de 17 anos... Uuuoooooouuuuuuu!

O rapazinho chegou a ser educado e antes de dar o balão de praxe pediu o telefone da gatinha. Ela não titubeou. Vai, anota aí! Eu, orgulhosa e sorridente ao seu lado, quase não segurei a vontade louca de pular de alegria, mas ok, vamos manter a pose. Ele anotou o número em seu celular e ainda tirou onda porque simplesmente era um Samsung com flip, do you belive??! Que máximoooo!!!!

Após duas semanas de angústia a espera do telefonema, a amiga caiu em si: ele não ia ligar. Ficou triste por mais alguns dias, mas logo superou, afinal seu maior martírio já tinha enfim se resolvido. Em um ano de vestibular e 417 fórmulas de química para decorar, a principal lição que ela aprendeu foi que um beijinho realmente não dói.