quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A certeza que fica


Estou há alguns dias abrindo e fechando a página em branco à minha frente. Ela parece me implorar por este post. Resisti até quando pude porque o imprevisível me roubou as palavras. Meu desabafo se foi junto com as lágrimas e ainda assim me sinto no dever de homenagear aqui o cão que acabo de perder.

Por vezes me lembro de Quentin Tarantino e sua visão violenta de mundo. Não sou sua admiradora, mas admito que a peculiar brutalidade de seus longas é muito verossímil. A vida é mesmo cruel. Já me dediquei à meditação, frequentei cursos e diversos caminhos em busca da paz interior, mas o sangue jorrado nas cenas de Tarantino me parece mais fiel à realidade do que a tal respiração e inspiração desse papo harebô. A verdade é que diante das injustiças não há oxigênio que preencha o pulmão. As perdas nos tiram o ar, sufocam, esmagam o coração. 

O impiedoso chicote que surrava os escravos em "Django Livre" agora está aqui maltratando meu corpo. Lembro que ao sair do cinema, ainda paralisada pela explosão selvagem de Tarantino, comentei com meu namorado que seu novo cão deveria ser homenageado com o nome do protagonista. Django, um verdadeiro guerreiro. E assim se iniciou mais uma história carregada de drama, um sinal já predestinado pelo próprio filme.

Neste paralelo de narrativas, as coincidências estão escancaradas. A luta pela sobrevivência, a garra e a entrega total ao amor. Dizem que os cães são irracionais e assim tratavam os escravos, mas para o Django personagem ou animal a mente é desprezível perto do poder do coração. Ambos passionais e que se dane o racional. Talvez este fosse o imã que tanto me conectava àquele cão.

De fato agora ele é o Django Livre, sem qualquer coleira e uma imensidão celestial para usufruir. Quem me dera que isso servisse de consolo, principalmente porque não há reprise pra amenizar a saudade. Não há cópias, refilmagens e tudo foi tão pouco e insuficiente que parece não ter passado de apenas um trailer. Porém, nesta breve história, ao menos existe algo que é infinito - o amor que construímos. Quanto a isto não há dilemas. É a certeza que fica.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Vitória


Nunca tive um bilhão de amigos, mas sempre contei com poucos e bons. Me enturmava ali com a minha patotinha e tava tudo ótimo, sem drama. Até que um dia conheci a Carol. Ela era um ano mais velha e aos 15 anos isso faz toda a diferença, afinal ela já tinha 16, merecia um puta respeito. Analisei seu visual dos pés à cabeça e vi tatuagens. Yeeeaahh, ela era rock'n roll! Que garota legal, suspirei comigo mesma. 

Aquele ar de menina descolada e independente endossava minha admiração. Ela, sim, tinha um bilhão de amigos, mas sua personalidade era tão livre que não se apegava a essa babaquice de grupinhos. Carol era do mundo. Confesso que foi um choque ver alguém tão democrática e sem preconceitos. Enquanto eu, tolinha, me importava em desmerecer os nerds, Carol arrastava os bulinados para a boate People e metia a cara nos livros com os malandros pendurados em matemática. 

De vez em quando ela aparecia com uma super bolsa Chanel e vestidos mais que grifados. Do alto do seu salto Gucci me olhava com a simplicidade de uma garotinha carioca e me animava para alguma festa na Lapa ou no Leblon, tanto faz. Morava em uma divina casa no Jardim Pernambuco e tinha um motorista à disposição, mas esse papo não colava. Carol andava é de busão, no worries. 

Era um poço de incoerência, cá entre nós, um charme. Como podia combinar em um só rosto olhos tão profundos e tristes com um sorriso sempre vibrante? Uma confusão hipnótica que tornava impossível não notá-la. Às vezes tinha uns lapsos de timidez e sua defesa era jogar o cabelo todo na cara. E não é que ficava ainda mais charmosa? 

Enquanto eu, tão óbvia como todas as adolescentes, só pensava em festas e shoppings, Carol cultuava um único sonho: um grande amor. Eu até me preocupava com vestibular e livros bacanas, nem só de futilidade eu vivia, mas pra ela o amor estava acima da carreira de medicina, das viagens pelo mundo, dos músicos que curtia. Daí entendia-se os olhos tristes. Sem um amor não haveria felicidade, não haveria vitória. Este sim seria seu maior troféu.

Agora não há mais olhos tristes. É que a vitória enfim chegou e amanhã, dia 13 de setembro, a mais romântica do colégio se casa. Parabéns Carol pelo lindo casamento que celebraremos juntas e pela filha que não podia ter outro nome senão Vitória.