quinta-feira, 10 de maio de 2018

O grande encontro


Juninho trocou de turno no Jobi pra curtir a noite mais especial do ano. Era a grande festa de celebração ao dia do garçom, não perderia por nada. Recolheu as últimas gorjetas, mas logo bateu a frustração, é que o "faz-me rir" na madruga é muito superior aos trocadinhos da tarde. Bando de mão-de-vaca! Mas nada o desanimaria, até o Baixinho lá do Hipódromo já tinha dado o papo: esse ano a Feira de São Cristovão vai abaixo! A cobra vai fumar e geral vai bailar até o sol raiar. Sente o clima.

Lançou aquele Acqua de Gio, presente de um playboy, seu melhor cliente. De bobeira nem nada, chamou logo um Uber, não ia de busão 460 nem de graça! Aquela lata de sardinha nunca que ia zoar seu traje de gala.

Muita cerveja e pinga à vontade! O Paulinho também trocou de turno lá no Braseiro e mandou ver nas caipirinhas, batidas e uns drinques doidos. Além de garçom, o queridinho da playboyzada do BG, também tirava onda como barman. Sacoleja dali, sacoleja daqui, com aquele sorrisão sempre estampado na lata, tava molinho de pegar uma das garçonetes do Belmonte. Estavam em patota, deslumbradas com o talento e o carisma do moço.

De longe já se via a Jane do Alemão requebrando na pista. O que tem de braba, tem de ginga. Dizem que bota qualquer alemão pianinho, mas tem um molejo, a danada queeeebra no forró. Só mesmo o João de Deus pra sair lá da calmaria do Hipódromo pra se arriscar em São Cristovão puxando a Jane pra dançar. "Ele amansou a fera só porque tem nome religioso", invejava o pessoal do Brewteco. "É isso não, rapá, nunca ouviu falar que é dos carecas que elas gostam mais?", disparou Juninho alisando orgulhoso a cabeça.

O forró rolava solto até que chegou a galera do Bracarense com suas marchinhas de Carnaval. Tocaram Cabeleira do Zezé, Cachaça Não é Água, Aurora... Jane botou no chinelo tudo que é garçonete metida a rainha da bateria. O pessoal do Guimas, que morria de medo da vizinha de bar, abriu a roda pra morena rodopiar.

À essa altura, o Baixinho já tava pra lá de bagdá. Juninho segurou as pontas do amigo, era craque em lidar com doidão. Deu água, Coca, café. Gelo na testa, pescoço e quando se deu conta, acabou a festança. Perdeu as últimas horas salvando o safado do Baixinho.

- Tão pequenininho não pode beber tanto assim, nem cabe no seu corpo.

- Zoa não, Juninho, já to até careta de novo. Mas e agora? Cabô, cabô?

- Que nada! Partiu Jobi!

domingo, 6 de maio de 2018

Sua presença




Nove anos sem você. Lágrimas secaram e vi a dor se despedaçar, assim rasgando, se decompondo, esfarelando em migalhas e esvaindo como fumaça. O nó na garganta lentamente afrouxou até desatar por completo. As lembranças ainda são doces, acredite, talvez nunca percam o sabor, mas as cores se foram. Já te vi em tons de amarelo, preto e branco, agora só branco, seu rosto quase transparente. 

Minha mente se abriu a um vazio sem fim, a ignorância tomou conta de mim. Parei de escrever, de ir ao cinema, de estudar, de rir até chorar. Congelei cada milímetro do corpo, caí em desgosto. Tudo ficou tão chato, sem sentido… Ao menos passei a gostar de vinho, me faz lembrar de você. Não gosto mais da praia, do sol, sua filha praiana agora sufoca no verão. 

Mas hoje algo aconteceu. Tonteiras estão sacudindo meu imenso iceberg, pasteurizando como liquidificador a tristeza petrificada. As lágrimas aos poucos derretem e transbordam deslizando de novo como um milagre. 

É o despertar de um pesadelo tão profundo que volto a sentir seu abraço apertando contra meu coração, vibro na sua pulsação. Ouço lá longe sua voz, é mesmo apaixonante. Devagar, seus olhos pintados ganham cor e forma. Esse olhar que conforta, acolhe e me enche de vida. Minha essência aos poucos brilha. 

Mãe, amanhã acho que vou à praia.