domingo, 6 de maio de 2018

Sua presença




Nove anos sem você. Lágrimas secaram e vi a dor se despedaçar, assim rasgando, se decompondo, esfarelando em migalhas e esvaindo como fumaça. O nó na garganta lentamente afrouxou até desatar por completo. As lembranças ainda são doces, acredite, talvez nunca percam o sabor, mas as cores se foram. Já te vi em tons de amarelo, preto e branco, agora só branco, seu rosto quase transparente. 

Minha mente se abriu a um vazio sem fim, a ignorância tomou conta de mim. Parei de escrever, de ir ao cinema, de estudar, de rir até chorar. Congelei cada milímetro do corpo, caí em desgosto. Tudo ficou tão chato, sem sentido… Ao menos passei a gostar de vinho, me faz lembrar de você. Não gosto mais da praia, do sol, sua filha praiana agora sufoca no verão. 

Mas hoje algo aconteceu. Tonteiras estão sacudindo meu imenso iceberg, pasteurizando como liquidificador a tristeza petrificada. As lágrimas aos poucos derretem e transbordam deslizando de novo como um milagre. 

É o despertar de um pesadelo tão profundo que volto a sentir seu abraço apertando contra meu coração, vibro na sua pulsação. Ouço lá longe sua voz, é mesmo apaixonante. Devagar, seus olhos pintados ganham cor e forma. Esse olhar que conforta, acolhe e me enche de vida. Minha essência aos poucos brilha. 

Mãe, amanhã acho que vou à praia.